segunda-feira, 18 de agosto de 2025

Subordinação do Brasil a pataformas estrangeiras ameaça a soberania nacional: R$ 23 bilhões gastos com licenças em serviços estratégicos como satélites e datacenters

 

Mapa do Brasil preso por correntes digitais representando a dependência tecnológica do país de big techs como Amazon, Google, Microsoft, Oracle e Red Hat.

A dependência e consequente subordinação do Brasil a plataformas estrangeiras fornecedoras de tecnologia em áreas estratégicas, como datacenters, satélites, cabos submarinos, chips, sistemas de inteligência artificial e hospedagem, apresenta risco à soberania nacional do país.

A conclusão é de um estudo feito por pesquisadores da USP e UnB publicado em julho.

Segundo o estudo, de 2014 a 2025 foram gastos ao menos R$ 23 bilhões pelo setor público no pagamento de licenças de softwares, soluções de cloud (nuvem), aplicações de segurança e serviços similares de plataformas estrangeiras

Entretanto, o número pode ser ainda maior, já que não está ajustado pela inflação. Além disso, grande parte dos contratos não é feita diretamente com as big techs, mas sim por meio de intermediários e revendedores nacionais, o que dificulta o rastreio.

Soberania digital do Brasil em risco iminente

Para os pesquisadores, é essa perda do domínio das tecnologias críticas, como tecnologia nuclear e indústria militar, que ameaça a chamada soberania digital do Brasil, apesar de haver avanços como a Lei do Marco Civil da Internet, projeto de cabos submarinos alternativos e novas estatais e empresas nacionais.

“Hoje, o Brasil vive uma situação que se assemelha a um feudalismo digital, no qual plataformas como Google, Microsoft e Amazon atuam como senhores digitais. Elas mediam interações sociais, políticas e econômicas, monopolizando a inclusive a prestação de diversos serviços e políticas públicas à dependência de uma aplicação gerida por elas”.

O estudo afirma que essas big techs não são apenas agentes econômicos, mas também políticos, “com capacidade de moldar padrões técnicos, definir nomes de conduta e influenciar decisões estratégicas de governos”.

Especialistas em Direito Internacional e Relações Internacionais apontam, inclusive, que são as big techs as responsáveis diretas pelo recente tarifaço político de 50% de Trump contra o Brasil

As plataformas estrangeiras, que financiaram a campanha do republicano, estariam preocupadas com as regulações em curso no país e também na União Europeia

Continuam precisando lidar com o escândalo denunciado pelo influenciador Felca e pela Reuters.

Quais as plataformas estrangeiras mais beneficiadas por contratos com o Brasil?

Dos R$ 23 bilhões apurados pelos estudiosos da USP e UnB, R$ 4,6 bilhões foram gastos pelo governo federal de junho de 2024 a junho de 2025, R$ 3,7 bilhões pelos Estados e R$ 2 bilhões pelas prefeituras nesse mesmo período.

Microsoft (R$ 3,3 bilhões), Oracle (R$ 1,02 bilhão), Google (R$ 938,8 milhões) e Red Hat (R$ 909,2 milhões) teriam sido as big techs mais beneficiadas pelos contratos.

Contudo, a SpaceX também tem vários contratos com o setor público brasileiro, inclusive Exército e Marinha, e conseguiu aprovação recente para a Starlink operar milhares de satélites adicionais no Brasil mesmo com a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) admitindo risco à soberania nacional.

Valor bilionário deveria estar sendo investido em pesquisadores brasileiros e tecnologia nacional

O estudo denuncia que o valor exorbitante gasto com plataformas estrangeiras deveria estar, na verdade, sendo investido no fortalecimento da indústria nacional de software, na formação de mão de obra qualificada ou no desenvolvimento de soluções abertas e interoperáveis.

Para os pesquisadores, “ao delegar infraestrutura crítica a fornecedores globais, o setor público brasileiro compromete sua autonomia tecnológica, reduz sua capacidade estratégica, compromete sua capacidade defensiva e bloqueia o surgimento e fortalecimento de soluções públicas nacionais baseadas em soberania digital”.

“À parte os riscos à soberania nacional em sentido amplo, uma enorme possibilidade de promoção do desenvolvimento econômico e geração de emprego qualificado é desperdiçada”.

De quem é a culpa da subordinação do Brasil a plataformas estrangeiras?

A publicação não aponta diretamente um culpado por essa subordinação do Brasil a plataformas estrangeiras fornecedoras de tecnologia.

Segundo os estudiosos, a responsabilidade não pode ser colocada na conta de um único agente ou governo, por se tratar da “continuidade de uma tendência histórica que vem dos primórdios do uso de tecnologia da informação pelo Estado brasileiro”.

“As condições de subordinação, dependência tecnológica e as práticas que as sustentem tornaram-se naturalizadas. São aceitas pelos sucessivos governos, nos três níveis da federação, pelos três poderes, pela sociedade em geral. Fazem parte das estruturas mentais de boa parte dos técnicos e gestores públicos de tecnologia”.

Conforme os pesquisadores, boa parte das lideranças sequer percebe o problema.

“E, de certa maneira, mascaram interesses, nem sempre explicitados, nem sempre deliberadamente perseguidos”.

Recomendações ao Brasil para se livrar da subordinação a plataformas estrangeiras

Ao final do estudo, os pesquisadores fizeram 10 recomendações para o Brasil, aos poucos, se livrar da dependência das plataformas estrangeiras. Confira:

1 – Criar um programa nacional de fomento à soberania digital ancorado nas universidades públicas e nos centros de pesquisa federais

2 – Instituir uma nuvem pública federada, ancorada em universidades e operada com recursos públicos, como base da infraestrutura do Estado.

3 – Priorizar, nas compras públicas de TIC, soluções desenvolvidas por instituições brasileiras, com licenciamento aberto e operação sob jurisdição nacional

4 – Restringir a terceirização de dados estratégicos da defesa nacional e garantir que toda a infraestrutura digital militar opere sob soberania brasileira.

5 – Consolidar a ALADA como operadora da infraestrutura orbital brasileira, com controle público e uso estratégico

6 – Estabelecer metas de conteúdo nacional mínimo em tecnologias de defesa e conectividade, com financiamento público estruturado e planejamento industrial de longo prazo.

7 – Criar um marco regulatório ambiental e energético para data centers, com métricas obrigatórias e metas progressivas de eficiência.

8 – Condicionar regras de uso prioritário e licenças para data centers ao uso de energia renovável e à implementação de sistemas de recuperação de calor.

9 – Unificar as plataformas de compras públicas de TIC sob padrões abertos, com rastreabilidade, interoperabilidade e transparência integral.

10 – Instituir um Plano Nacional de Soberania Digital com metas intersetoriais, orçamento dedicado para execução contínua, governança multinível com centralidade estratégica e participação da sociedade, e sistema de monitoramento das decisões públicas em tecnologia, com métricas e indicadores universais e transparentes.

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