quinta-feira, 18 de julho de 2024

Novo ensino médio: especialistas apontam incertezas


O novo ensino médio estabelece que os estudantes brasileiros da educação básica terão a ampliação da carga horária total para os três anos do ensino médio. O texto do projeto aprovado pela Câmara dos Deputados aumenta a carga horária anual da formação geral básica nas disciplinas tradicionais, como: Português, Matemática, inglês, Ciências Humanas e da Natureza. Já o espanhol será optativo. O projeto aguarda agora a sanção presidencial.

Confira como a divisão de carga horária ficará caso o texto seja sancionado como está: 

  • 2.400 horas destinadas à formação geral básica; sendo 5 horas diárias de aulas distribuídas em 200 dias letivos;
  • 600 horas para itinerários formativos (em que o aluno escolhe o que vai estudar) divididos em: linguagens e suas tecnologias; matemática e suas tecnologias; ciências da natureza e suas tecnologias; ciências humanas e sociais aplicadas.

Medidas imediatas e futuras para ensino público e privado

Pela legislação atual, a elaboração dos itinerários formativos compete ao Ministério da Educação. Porém, a reforma prevê que os itinerários serão elaborados pelo Conselho Nacional de Educação – que deverá ser composto por membros da sociedade civil indicados pelo Ministério da Educação (MEC).

A reforma do ensino médio prevê que, na rede pública, as secretarias de Educação deverão estabelecer a quantidade de itinerários a serem ofertados, mas cada escola precisa ter pelo menos dois. Já na rede privada, cada instituição pode decidir como cumprir a medida.

Segundo o texto, até o fim deste ano, o MEC, juntamente com a participação dos sistemas de educação estaduais e distrital de ensino, formulará novas diretrizes nacionais para o aprofundamento das áreas de conhecimento. A implementação das regras deve ser a partir de 2025.

A previsão é de que secretarias estaduais e distrital de educação elaborem planos de ação para a implementação escalonada das alterações promovidas pela futura Lei. Já os estudantes que estiverem cursando o ensino médio na data de publicação da futura lei terão uma transição para as novas regras. 

A coordenadora do Ensino Médio do Colégio Humboldt, de São Paulo–SP, Talita Marcilia, destaca a maior dificuldade para implementação das medidas ano que vem. “O maior desafio para 2025 sobre a implementação é a mudança na matriz para acomodar a nova carga horária da formação geral básica, mas para as escolas públicas isso deve facilitar devido à atribuição de professores”, opina. 

Talita Marcilia também menciona que ainda não está claro no projeto as competências e habilidades esperadas para a formação geral básica e para os itinerários formativos. 

“Ainda é um tiro no escuro, porque não houve nenhuma declaração formal dos grandes vestibulares, então o Inep ainda não se pronunciou. O Enem desse ano ainda fica como sempre foi. Não houve um pronunciamento das grandes estaduais, que são referências educacionais. Então a gente ainda para 2025 opera sem ter certeza sobre a questão da divisão entre itinerário formativo e formação geral básica”, ressalta Talita Marcilia.

Maior carga horária: como ficam os professores?

Pelo texto, aos professores serão destinados programas e projetos de formação continuada com orientações didáticas e reflexões metodológicas acerca do novo formato dos anos finais da educação básica. 

O coordenador do Colégio Militar em Brasília e mestre em História Social pela UnB, Isaac Marra, avalia as ações de formação continuada para os docentes como algo positivo e importante para a adaptação ao novo formato, porém aponta inconsistências no projeto, como o aumento na carga horária das disciplinas tradicionais e a redução em relação aos itinerários formativos. 

“Apenas joga um volume de trabalho sem equacionar e dinamizar os resultados, sobretudo quando se desrespeita a equidade salarial. É colocar os professores numa linha de frente do trabalho efetivo e não os condicionar e não oportunizar a eles de fato a qualificação e a competência necessária para essa eficácia prática”, pontua.

Talita Marcilia avalia que reduzir a carga horária dos itinerários formativos significa um retrocesso em comparação à lei de 2017. Para ela, outros tópicos poderiam ser modificados, como a remuneração dos professores. 

“Quando a gente amplia a formação geral básica e tira o itinerário formativo, é um retrocesso. Talvez fosse possível pensar em outros ajustes. Nesse contexto, não se pensou em melhorar a remuneração do professor, em fazer um investimento real de formação para o professor”, destaca.

Sustentabilidade da reforma

Isaac Marra demonstra preocupação no que diz respeito à sustentabilidade da implementação da reforma em relação aos recursos e investimentos pelo poder público. Para Isaac, a incerteza sobre a sustentação das medidas pode prejudicar os indicadores educacionais, caso as secretarias educacionais não consigam sustentar as alterações.

“Essa formação continuada e implementação dessas novas regras exigem um investimento robusto, um investimento significativo. Sem garantir essa remuneração adequada, dificilmente o Ministério da Educação, secretarias de Educação, vão conseguir atrair e reter profissionais qualificados, o que acaba comprometendo tanto a qualidade do serviço oferecido como os resultados e os índices oficiais”, alerta Isaac Marra.

O especialista em orçamentos públicos pelo ISC/TCU, Cesar Lima, analisa que com a nova norma, a necessidade de mais contratação de mais profissionais, além dos custos de funcionamento, saio para beber e luz, trarão impacto para os cofres públicos. Ele aponta possíveis dificuldades de municípios brasileiros.

“Essa obrigatoriedade de várias metas já para serem cumpridas, a partir de 2025, vai trazer os mesmos problemas que você já tinha antes dessa nova reforma, porque há a criação de obrigações para os municípios que, no entanto, não têm a correspondente receita para arcar com isso. Com certeza, vários desses pontos serão objetos de contestação ou mesmo deixarão de ser cumpridos pelos municípios”, diz o especialista.

“Claro que uma hora alguma atitude por parte do governo federal vai ter que ser tomada no sentido de garantir o financiamento dessas novas obrigações”, prevê Cesar Lima.

Para Isaac Marra, as inconsistências sobre a sustentabilidade da implementação do novo ensino médio levanta suspeitas sobre a qualidade do processo.

“A relativização dessa formação continuada e a imprecisão de como será feita a implementação da nova carga horária associada aos itinerários informativos e à orientação dos professores geram preocupação e levantam suspeitas da efetiva qualidade desse processo”, expõe.

Ensino técnico e oferta de escolas à noite

Uma das mudanças propostas pelo Senado e mantida pela Câmara foi a determinação de que os estados deverão manter, na sede de cada município, pelo menos uma escola pública com oferta de ensino médio regular no turno noturno. 

Porém, a exigência dependerá da existência de demanda manifestada e comprovada pela matrícula, na forma da regulamentação do respectivo sistema de ensino.

A oferta de formação técnica compreende a carga horária mínima da formação geral básica e será de 1.800 horas, sendo até 300 horas destinadas ao aprofundamento de estudos de conteúdos da Base Nacional Comum Curricular relacionados à formação técnica profissional oferecida. As outras 900 horas restantes ficarão destinadas às aulas do curso técnico escolhido pelo estudante em caso de oferta pela escola – totalizando, assim, 3.000 horas.

A União, os estados e o Distrito Federal implementarão, por regulamento, estratégias previstas na Política Nacional de Educação Profissional e Tecnológica.

Enem 

A partir de 2027, ano em que os alunos que começarem o Ensino Médio em 2025 estarão no último ano do ensino médio, a previsão é de que sejam cobrados no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) tanto as disciplinas da formação geral básica tradicionais quanto os conteúdos dos itinerários formativos.


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